28 de setembro de 2011

Minha paz.

Nosso caráter era igual. Meu olho era igual ao seu. Meu sorriso, minhas vontades e minhas opiniões.. Tudo uma cópia de você. Lembro da marca que o sofá tinha de tanto que você sentava naquele mesmo lugar. Lembro do enfeite da mesa e do cinzeiro em que você batia a cinza dos seus inúmeros cigarros. Os sustos que você me deu gritando 'gol' são incontáveis. Eu me revirava na cama e desistia de dormir. Levantava, ia até a sala e você estava lá, naquele mesmo lugar, cochilando. Ia pegar algo pra comer e ouvia você chamar meu nome, me pedindo um copo de água gelada. Sentava no outro sofá e ficávamos assistindo qualquer coisa, contando segredos, jogando conversa fora.. Quando eu brigava com alguém era o seu colo que eu buscava. Então deitava minha cabeça nele e dormia, no misturar do desabafo com seu cafuné. Você se lembra do tratamento que eu fiz? Eu chorava de dor por horas. Você veio e começou a me benzer. O ar foi entrando e a dor foi parando. Sem exageros e literalmente: você aliviou a minha dor. Eu abri os olhos e minhas lágrimas haviam secado. Não sei se você sabe, mas naquele momento eu pedi pra sempre te ter por perto porque era em você que eu encontrava a paz. Mas então mudou o cenário, mudou a condição, só não mudou o copo de água gelada. No hospital eu cheguei a pensar que não teria saída. Você não se movia, só piscava. "Se souber quem eu sou, pisca forte" e pronto: você piscou. Você moveu a cabeça um mínimo centímetro pra tentar me olhar melhor e você passou por isso, você se ergueu, se reconstruiu. Você voltou pra casa e, depois de tantos anos, era minha vez de te cuidar. Acordei cedo nas férias, decorei o horário de cada remédio, virei noites acordada apenas pra te observar respirar. Fui um dia te visitar antes de sair. Pedi pra você se cuidar e você sorriu me respondendo: "Se cuida daí que eu me cuido daqui". Sempre cuidando de mim, sempre me vigiando de longe pra que nada me desse errado. E nada deu errado, nada me faltou enquanto você estava presente. Mas agora me falta. Agora me falta você, me falta seu colo e me falta seu cafuné. De repente, tudo acabou. Não porque tava na hora, não porque "Deus quis". Foi erro médico. Acontece, não acontece?

Eu não acredito em Deus. Se eu tenho fé em algo, é em você.

(Estela Seccatto)

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