Eu escuto passos mas não vejo ninguém Estão apressados fugindo de alguém Ou de algo Algo quente, como a dor ou frio, como o amor Qualquer coisa que assuste e faça a rua ficar pra trás como se empurrasse a cidade com os pés e carregasse o mundo nos ombros Como se a avenida não tivesse fim e não tem Ela vira a esquina, entra no bairro pula o muro, invade a casa e diz oi pra menina que quer sair descalça lá pro meio da avenida Eu escuto o pranto mas não vejo ninguém Garganta engasgada sofrendo por alguém Ou por algo Algo como uma despedida Ou o medo por estar perdida Ou a angústia de ser encontrada ou de ser esquecida Desespero que não passa Que pega bem na veia do pescoço e rasga Que corta fundo no peito e grita no ouvido PARA DE CHORAR Fecha o punho e dá no meio da cara pra aprender a não fraquejar Eu escuto o pulso mas não vejo ninguém O coração disparado de alguém Cansado de tanto correr e chorar Bomba relógio prestes a estourar A voz prestes a gritar As pernas prestes a desmoronar É a alma que se desprende estoura as correntes e se rende Todo o som, exceto o vento, cessa Silêncio O céu sussurra que a manhã começa E eu escuto passos calmos
Não vejo ninguém
Mas tudo clareou e já não há mais breu Talvez meus olhos estejam encharcados e quem está se rastejando seja eu (Estela Seccatto)
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