-Você é igual eu. Eu gostava de andar a noite olhando o céu.
-Aqui eu não posso andar a noite e o céu não tem estrelas.
-Eu fiz um poema chamado silêncio.. Era uma página em branco.
Fiquei pensando se isso me soava poético ou se eu deveria achar estúpido. Achei poético, enfim. Continuamos andando e ouvindo apenas nossos passos. Ele me disse que se tme uma coisa que ele gosta na cidade, é a favela. Prossegui quieta tentando fazer com que ele fizesse o mesmo. Na metade do caminho ele me disse:
-Já que você tá andando e não tem outra opção, porque não olha pras coisas ao seu redor?
Continuei quieta mas percebi que até então só tinha olhado pro meu próprio pé. Levantei a cabeça e vi as coisas apagadas pela neblina. Surgiu a dúvida: aquilo era feio demais, cinza demais ou era bonito? Lembrei do 'Carpe Diem', comecei a ser otimista, desfiz minha expressão de emburrada e achei bonito. Aquela rua deveria ter história.
Andando mais um pouco avistei um pneu no meio da rua. Estava todo sujo e molhado. Meu pai o pegou sem nojo algum e o colocou na calçada. O olhei com cara de dúvida e ele sorriu dizendo:
-Poderia causar um acidente.
Eu sorri de volta. Um pouco mais a frente ele parou e pediu que eu esperasse. Acendeu um cigarro. Voltamos a andar.
-Calma filha, você anda muito rápido.
Eu acho que a gripe de amanhã vai valer de algo.
(Estela Seccatto)
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