12 de novembro de 2017

A marca que você deixou

Engraçado como sua falsa despedida passa em preto e branco na minha memória mas mesmo assim eu encontro vestígios da dor que ela me causou. Engraçado como eu não sinto nada por você mas lembro de todas as coisas ruins que você me fez sentir. Engraçado pensar que até 3 meses atrás eu nem sabia se você estava viva ou morta. Engraçado passar tanto tempo pensando que você poderia ter se matado e que eu poderia ter colaborado pra isso.
Na verdade, não é nada engraçado.
Mas talvez tenha sido pra você.
Hoje eu tento lidar com uns medos que você fez nascer em mim há 8 ou 9 anos atrás. Não que minha qualidade de vida tenha piorado ou que eu tenha me privado de algo por conta dessas cicatrizes, mas é uma luta interna constante e incessante que às vezes eu prefiro evitar. Mas a vida é assim mesmo e quem me conhece sabe que eu não me deixo fraquejar. 
Eu queria que você voltasse por 5 minutos e me explicasse o que aconteceu. Eu queria ouvir da tua boca que o erro foi seu e que você preferiu fugir à encarar. Mas isso não vai acontecer e é sabendo disso que eu aprendi a lidar. 

23 de outubro de 2017

Minha vida tá uma sopa

e ela tá fervendo, descendo goela abaixo.

Queria que a vida me rasgasse de dentro pra fora pra eu me reconstruir diferente da estupidez que sou. Queria poder gritar sem ninguém ouvir porque não me sinto merecedora dos ouvidos de ninguém. Sinto que qualquer som que eu produzo é apenas um ruído irritante após um grito incessante. Eu vivo me escondendo atrás de mil palavras que não querem dizer nada só pra não ter que dizer alguma coisa. Cada passo que eu dou parece me levar pro lugar errado, independente da direção. Eu não vejo mais pra onde ir e eu nem sei se quero ir. Eu me forço a rir pra me impedir de  quebrar e jorrar todo esse féu por cada canto que eu me escorar. É como se eu fosse fundação mal calculada prestes a rachar com o peso da carga que eu deveria suportar. 

Amanhã tá tudo bem, não precisa perguntar.
Hoje eu sinto minha mente dilacerar.

18 de outubro de 2017

Arrefecimento

substantivo masculino
  1. 1.
    perda de calor, queda de temperatura; esfriamento, resfriamento.
  2. 2.
    fig. perda do entusiasmo, do ânimo; indolência, apatia.

É o 2. Quem dera fosse o 1.

Algo dentro de mim tá pisoteando minha vontade de sair e respirar.
Eu tô virando parte do colchão.
Sei lá se é desânimo, cansaço, indiferença ou se é só o calor.
Ficar aqui me entristece e a ideia de sair daqui também.

Eu não consigo me olhar no espelho e gostar do que vejo.
Por conta disso eu não quero sair pra que as pessoas não me vejam.

Eu aprendi a gostar da minha companhia mas eu tô me afundando nela.
Como se tivesse surgindo uma pontinha de misantropia.
É mais cômodo ficar comigo, previsível que sou, do que sair sem direção e sem certeza de nada.

Mas isso é só um surto, como qualquer outro.
Logo volta o entusiasmo por coisas novas.
Até porque eu não quero perder tempo, já que vim parar aqui.

Hoje tanto faz.
Amanhã não sei.

13 de setembro de 2017

Sou coberta de pele


O problema é que eu odeio minha pele.

Hoje é um dia ruim, daqueles que nossa mente quer gritar mas a garganta tá cansada. Hoje o sol tava ardendo e o vento não me alcançou. Começou na madrugada toda essa coisa bagunçada dessa quarta-feira. Hoje eu acordei e me revirei tanto que a cama se cansou de mim. O celular não aguentava mais me dizer que ainda não estava na hora de levantar... mas os pensamentos me empurravam pro chão gritando que ali eu não ia mais deitar. Hoje a ansiedade me deu bom dia no café da manhã, eu fingi que não vi. Puxei o ar, soltei o freio de mão e fui.

Eu fui porque vida me ensinou a ir.

Eu voltei desse dia ruim, tirei o tênis e pensei "acabou". Pedi comida, comi e pensei: "acabou". Tirei a roupa, deitei no chão, me estiquei e pensei "acabou".

Mas não acabou.

Hoje o dia ruim continuou ruim e pela primeira vez em tanto tempo eu não soube deixar pra lá e sorrir. Eu me olhei nua no espelho pra tentar me encontrar e eu não gostei de nada do que vi.

Nenhum mísero milímetro.

Hoje eu me olhei no espelho e eu chorei. Entrei no banho e me esfreguei como se aquilo fosse arrancar todas as coisas que eu estou odiando em mim.

Tolice a minha, se fosse assim eu desaparecia.


3 de agosto de 2017

Um dia bem bom


Era meio difícil sair do quarto e andar no corredor. Você fazia aquela cara de emburrada toda vez que eu perguntava 'tia Ligia, vamos andar um pouco?' mas você levantava e ia. Você ia porque era necessário. Você ia porque você sempre fez de tudo pra se erguer e superar suas dores e essa doença. Você ia porque te falaram que você tinha no máximo 6 meses de vida e você bateu o pé no chão e viveu 10 anos. Dez fucking anos. Então você sentava, colocava o chinelo, ia até o banheiro e ajeitava o cabelo. Vamos? Vamos!

Em uma mão você segurava o suporte da medicação (não me deixava levar pra você). Na outra mão você segurava meu braço. Aí a gente ia andando bem devagarzinho naquele corredor comprido, parando pra dar oi pra todas as enfermeiras que cruzavam nosso caminho e pros outros pacientes que também andavam por ali.

Todos os dias, quando chegávamos na parte do corredor que tinha as janelas de vidros, você parava. Vamos parar um pouquinho? Vamos. Passávamos um tempo olhando lá pra fora e observando o movimento da rua. Você tentava adivinhar se tava frio ou calor e sempre dizia que queria ir logo pra casa. As vezes você aguentava ir até o fim do corredor e depois voltar pro quarto, as vezes você preferia voltar logo. Você sabia seu limite. 

Nesse dia da foto eu te convenci a ficar um pouco na sala de estar do nosso andar pra ver pessoas, assistir televisão, ficar fora do quarto. Durou algo em torno de 15 minutos e foram 15 minutos valiosos pra mim. Sentamos, conversamos, tomamos café e tiramos essa foto. Nossa que horrível, olha como eu to com cara de doente, não vai colocar no Face!

Acho que foi uma das últimas vezes que você conseguiu levantar da cama.

Todas as vezes que eu busco forças pra levantar eu lembro de você e vejo que eu tenho muito pra viver e muito pra sorrir. Você me ensinou cautelosamente a dar um passo de cada vez: sem pressa e sem olhar pra trás.

"A vida me ensinou que é tão simples ser feliz:
basta aceitar que ela é como é
e que as vezes batemos o nosso nariz"

4 de julho de 2017

Eu sonhei com você

Eu sonhei com você.
Eu não lembro de você no sonho, mas eu lembro do calor da sua mão na minha.
Não lembro da sua voz, mas lembro do barulho do chuveiro enquanto você tomava banho logo cedo.
Depois eu sonhei com as casas antigas das quais eu não gosto de lembrar.
Sonhei com brigas, gritaria e vontade de chorar.
Eu sonhei com assalto, com medo, com desespero, com os piores sentimentos.
Eu sonhei que me faltava o ar
E tudo desmoronava enquanto eu sonhava.
Eu pedia, por favor, pra alguém me levar até você.
Mas aí eu sonhei com barata e acordei gritando.

Eu sei lá quando vou dormir e voltar pra você.
Cansei de não te ver.

19 de junho de 2017

Às vezes

Tenho um buraco no meu peito que às vezes se enche de cerveja.
Um copo na mesa, nenhum a mais.
Às vezes queria estar sentada ou dormindo no banco de trás.
Seria sinal de gente no banco da frente.
O som do violão não chega aqui nesse lugar,
nem o cheiro da comida quente pra me esquentar.
Tenho um buraco no meu peito que às vezes se enche de fumaça.
A mesma que se desfaz no ar da praça
e nas ruas e nas calçadas
e às vezes nem tem graça.
Às vezes essa mistura no meu peito pesa e vira sinusite
consequência de um buraco sem hora pra fechar.
Daí o peito pesa, a cabeça pesa, o olho pesa
e a gente nem reza porque nem sabe rezar.
Mais fácil deixar pra lá.
O travesseiro afunda, o coração inunda
mas não chega a afogar.
A vida me ensinou a nadar,
eu só não sei boiar.
E às vezes, bem às vezes, nas esquinas e nas mesas de alguns bares
essa gente desses lugares vêm me acompanhar.
E a conversa me preenche, as vezes enche,
chega até a transbordar.
Mais cerveja, mais gente na mesa e mais vontade de ficar.

Voltar pra casa não dá,
ela fica em outro lugar.


(Estela Seccatto)

14 de maio de 2017

Dia das mães

Aqui é o único lugar que posso escrever sem minha família ver.

Vó, já faz um tempo que eu deixei minha raiva de lado por tudo o que aconteceu, já faz um tempo que eu aceitei que a vida quis assim. Você me ensinou muito do que sou, você me pegou pela mão e me fez conhecer muito do mundo. O tempo passou e chegou a minha vez de te pegar pela mão. Eu fiz tudo o que pude, eu te dei banho, eu te ensinei a pegar no garfo de novo, eu virei noites acordada pra te cuidar. Hoje eu tento deixar alguns arrependimentos de lado, quando a gente é adolescente erramos muito e eu tive minhas grosserias, mas eu sei que tenho seu perdão e isso me conforta. Obrigada por me dar seu colo todas as vezes que eu chegava chorando. Obrigada por amaciar o cantinho mais gostoso do sofá. Obrigada por me acompanhar nos meus primeiros passos e nas minhas primeiras inseguranças. Obrigada por me ensinar sobre superação, você foi uma mulher incrível e minha admiração por você é eterna. Eu te amo, minha gordinha, sempre, sempre, sempre.

Tia, eu já consigo contar 80% da sua história sem chorar, isso é bom, é sinal de que eu to superando. É, eu sei que as vezes demoro um pouco e que você deve estar brava comigo por estar chorando agora, mas é que a saudade que eu tenho não cabe mais em mim e ela só aumenta. As coisas que você me ensinou eu vou levar pra sempre comigo: desde matemática até o perdão. O que eu sinto por você é o amor mais puro que eu poderia sentir. Eu ainda sinto sua mão quentinha segurando a minha na hora de dormir, ainda sinto a sua respiração ofegante quando tinha pesadelos e ainda sinto na ponta dos dedos a textura do seu cabelo quando eu te fazia cafuné enquanto você dormia. Eu queria acordar só mais um dia com o cheiro do café coando misturado com o cheiro do seu cigarro, te dar bom dia e te contar meus sonhos mais esquisitos. Queria fazer nosso pão na chapa, te servir o café e ficar do seu lado cobertinhas no sofá fofocando sobre qualquer coisa.. até você me pedir pra passar de alguma fase do Candy Crush. Eu queria ter você mais uma vez pra eu te contar sobre mim, sobre como eu cresci, sobre minha formatura e sobre o emprego que eu consegui. Tanto faz onde seria esse encontro, eu não me importaria de passar a vida inteira naquele quarto do hospital contrabandeando comidas gostosas e gordurosas pra você. Eu só queria mais um dia, uma hora ou até um mísero minuto pra eu te abraçar e te sentir de novo. 
Você é incrível, guerreira, meu exemplo de vida, minha eterna companheira. O meu amor por você não cabe em mim e é por isso que eu fico chorando por aí. Obrigada eternamente pela mãe que você foi pra mim e por ter feito minha vida mil vezes mais leve. Obrigada por todo o apoio que você sempre me deu e por todos os ensinamentos. Obrigada pelas madrugadas, pelo café, pelos conselhos e pelas conversas jogadas fora. Obrigada pelos seus sorrisos nos momentos mais difíceis.
Feliz dia das mães, onde quer que você esteja.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo.