O lugar é o mesmo. O sentimento é triste.
As mesmas pessoas - distantes.
Meus olhos brilham. A angústia continua.
O moço insiste pro lápis riscar. E o lápis risca.
Não risca os olhos. Há um óculos.
A cabeça implora pra parar.
O corpo implora pra confirmar
mas não precisa confirmar.. A presença é certa.
A simpatia desconhecida distrai.
O desenho é feito e o moço?
Merece! Ele está de parabéns.
A presença fica incerta. Me recuso a procurar.
Mais de 4 horas ali. Já faço parte do lugar.
O sonho continua.
A geografia e a literatura se misturam.
A cabeça ainda dói e os olhos são invisíveis.
O brilho para e o sorriso permanece.
Que alegria é essa?
O ar pesa e o sol se vai. O vento alivia.
A fumaça quebra o vento.
Deixa o vento quebrar a fumaça, menina!
O assunto da direita interessa..
..E na esquerda não há ninguém.
Cinco minutos e estou nessa linha.
A música que não faz bem não importa,
daqui a pouco ela vai acabar.
Deixo o lugar ao qual pertenci.
O lugar que me pertenceu.
Deixo os desconhecidos com um sorriso e um 'obrigada'.
As pessoas - julgam.
Julgam ou analisam?
Os olhares acompanham a caneta e dizem "mas que pena!"
Que pena de mim?
Me encontro num novo lugar não tão novo assim.
Mais uma hora pra encontrar rostos conhecidos
(se a coincidência não me cruzar antes disso).
Mas o rosto vai me confortar.
Não há mais um óculos.
Quem não via não vai ver mais.
Quem passa aqui terá no máximo três minutos.
Três minutos dos olhos meus.
Três minutos da angústia minha.
Angústia de três semanas.
Mas vai passar porque está passando.
Um corpo em movimento tende a continuar em movimento.
Mas e o sentimento, tende à que?
A poesia desconhecida do outro moço é bonita.
O grupo que se junta com um propósito é bonito.
O grupo que vem à mim pede opinião.
Minha opinião traz sorrisos e, talvez, quem sabe..
..Uma boa nota na escola.
A música acabou faz dez minutos
e no momento eu poderia dançar.
Ah, como poderia! E quem iria me impedir?
Mas eu não consigo, como a música diz,
dançar menos devagar ou triste.
O ritmo de dentro se reflete fora.
O olho - dói.
A dor - corrói.
Nem o pingo do 'i' eu coloquei direito. Mas que tragédia!
Quem disse, irmão, que tragédia era as pessoas distantes?
As novidades são vistas de longe.
A criança te olha e te marca.
Parecia que dizia: "tire os óculos, está assustando"
Mas não sabia dizer.
Porque me olham se estão cansadas e distraídas?
A moça pede informação e eu esqueço o que era rotina.
(O cachorro era o mesmo e acho que chama Simão).
Dou uma parte da informação:
"é linha azul, mas esqueci a direção".
Esqueci o sentido porque não faz sentido!
Essa geografia não me faz sentido!
Eu nasci pra somar e subtrair. Eu quero equacionar!
E a ficha acaba e eu preciso de outra..
E eu tenho outra.
E se tratando de acontecimentos raros
dessa vez eu tenho o que eu preciso.
E a música diz que ontem foi um inferno
mas que hoje eu estou bem sem você.
E porque a playlist está tão agressiva? Porque machuca?
Eu sou só uma estranha qualquer.
Porque te choca alguém que sai sozinho por aí?
Se nem eu me incomodei.. É. Nem eu me incomodei!
Mas não vou gritar pro mundo que o clima em casa não agrada.
Não vou contar que sou consequência dos pecados da minha mãe.
É segredo.
Era segredo.
A tinta preta faz o tempo passar.
O lápis riscando fez o tempo passar.
O cigarro e as pessoas que quiseram cigarro fizeram o tempo passar.
Mas porque elas não quiseram outro cigarro?
O dia vai embora mas a claridade eu não sei.
Deve ter ido também pelo horário.
Esse lugar novo já me pertence e é fechado.
Mas venta por aqui e aqui não tem fumaça.
Aqui não pode fumaça - a lei diz.
Quando é que vou ser dona desse lugar?
Quando é que vou ser dona do mundo, hein?
Eu ia cuidar bem, qual é a oferta do dia?
"Cinco reais, três, dez.. O quanto você puder dar".
Seis reais e vinte e cinco centavos, moço.
Eu quero registrar esse momento!
Eu quero o papel que o lápis riscou.
Eu quero a poesia do outro moço também.
Eu quero parar com a geografia e com a literatura
que a minha cabeça mandou parar. E eu parei!
De novo outro acontecimento raro.
Eu posso fazer o que eu quero ao menos uma vez!
Mas porque tem um sorriso no chão e porque eu pisei nele?
Falta metade do tempo pro rosto conhecido me confortar.
Eu quero ver as estrelas, mas nem se aqui fosse aberto..
..A nuvem não deixaria.
Hoje eu não coloco mais o óculos.
Nem nunca mais - pelo menos não esse óculos (não é meu).
A angústia foi pro papel.
O brilho voltou, mas agora não vou sorrir.
O que pensariam? Que sou feliz? Jamais!
Pensariam que a loucura tomou conta de mim, me invadiu.
Mas isso sim é uma outra tragédia a se discutir.
Que dia trágico!
O moço enrolou o papel pra não amassar.
O tênis tá sujo mas eu gosto assim.
Hoje, às nove horas da noite, ninguém vai olhar meu tênis.
Nem amanhã à uma hora da tarde
e nem outro dia e nem outra hora.
Hoje, às nove horas da noite as pessoas vão sorrir
porque a peça de teatro vai começar.
Mas ainda são sete horas e trinta e cinco minutos.
Mas quanta tragédia junta, meu Deus!
Porque aquela placa diz 'saída'?
Eu não quero sair, eu quero entrar na rua.
Essa luz me favorece. Eu quero uma luz assim no meu quarto.
Mas eu não posso roubá-la, a lei diz.
A lei diz muitas coisas.
Opa! Eu estou rindo agora, como assim?
Três desconhecidos sorrindo pra mim lá de dentro do metrô.
E dando tchau. Eles sabem que foi a última vez que nos vimos, né?
Deviam voltar pelo outro lado pra minha teoria se quebrar.
Minha boca implora - sede.
Meu estômago concorda - fome.
E daí que eu não como faz um bom tempo?
Minha mente sussurra:
"O rumo do texto mudou, você está feliz".
Eu estou feliz.
Eu estou feliz, moço.
(Estela Seccatto)