7 de novembro de 2009

Anotações de Amanda em um Caderno Qualquer.

Nesse 'falso diário' eu não coloco data porque me perdi no tempo.

-Primeira semana de junho

Já faz um mês que Kate morreu. Não passa um dia em que eu não pense nela. Eu deixei a escola pra traz, não consigo ler um parágrafo inteiro. Sempre vou na praça e sento no chão, encostada no mesmo banco em que nós ficávamos. Sempre vou de dia, porque a noite é quando todos vão.. e eu não tenho vontade de ver ninguém. Evitar a praça não seria evitar pensamentos sobre minha menina. Tudo me lembra ela. Sinto falta de acordar e saber que a veria.. de dormir e saber que a tinha. Kate está em todo lugar, eu teria que evitar minha vida pra fazer essa dor passar.
Alguns amigos me ligaram, mas eu não atendi. Eles sabem sobre Kate e devem imaginar que preciso de um tempo pra mim. Mas já foram mais de 30 dias e eu não notei nenhuma evolução nas minhas lágrimas. Eu fico escrevendo cartas para Kate, mas eu sei que estou me enganando. Normalmente escrevo até as 5 da manhã, durmo quando a luz do dia nasce (Kate amava fazer isso, ela dizia que o sol trazia bons sonhos). As 11 horas já estou acordando, não durmo mais do que isso. Pesadelos me incomodam (o sol não funciona para mim). A cena do corpo de Kate naquela praça me assombra. Todas as noites é um medo, uma dor. Se eu pudesse não dormir, não dormiria nunca mais. Essas noites cutucam minhas cicatrizes e isso me desgasta. Acho que no fundo eu só durmo com a esperança de sonhar algo bom com Kate.. ou então de acordar e ver que ela ainda está aqui. Decidi escrever isso, encarando de frente tudo o que sinto, e não mais escrevendo para ela. Era desesperador.

"Minha menina, quando é que você vai voltar? Já faz uma semana que você não me dá notícias. Eu preciso de você aqui comigo. Eu não tenho mais como respirar. Hoje fui pra praça e lá é muito chato sem você. Me mande um sinal de vida, eu imploro. Preciso do seu carinho, do seu calor. Eu preciso das nossas mãos unidas, dos dedos intercalados, dos anéis nos nossos dedos. Eu não tirei o meu anel, espero que você não tenha tirado o seu também. Volta logo Kate, eu preciso de você."

Sei que posso parecer uma completa louca, mas eu só escrevo isso pra amenizar a dor. Eu sei que Kate não vai voltar, eu sei que preciso encontrar meu ar em outro lugar. Mas ela está usando o anel, eu não deixei que o tirassem.
Uma semana depois do que aconteceu, eu fui despedida daquele mísero trabalho. Eles queriam alguém "mais concentrado". Eu não me importei. Depois que parei de usar drogas eu não preciso tanto daquele dinheiro. Estava juntando pra comprar o presente de Kate. Ela faria aniversário dia 11 de julho. Primeiro daria um simples ursinho de pelúcia.. ela amava. Depois eu a levaria pra cidade ao lado. Lá tem um lugar em que a vista é linda! Dá pra ver a cidade inteira lá de cima. A primeira vez que fui lá me senti dona do mundo. Tudo estava em minhas mãos. Quando a levasse lá, eu iria entregar seu presente. Seria uma caixinha simples.. um papel dentro escrito:

"Eu roubaria o mundo inteiro por você, minha vida é sua. Leva-a contigo. Obrigada por me fazer voar o mais alto que já voei. Obrigada por sempre colocar os meus pés no chão."

Então mostraria a tatuagem que fiz para ela. É no pé.. está escrito 'from here up to endless is yours, just forever, K' (a partir daqui até o infinito é seu, apenas pra sempre, K). Do lado tem um coração. Um coração que ela desenhou no meu caderno pra matar o tempo, logo após escrever que me amava.. No fim eu fui a única que viu essa tatuagem. Eu e o tatuador. Será que se ela soubesse que o mundo inteiro poderia ser dela.. ela faria o que fez?


Acho que Kate não se deu conta de que cada segundo da minha vida valia a pena só por causa dela. Eu não me importaria se agora ela me odiasse. Só bastava saber que ela estava bem.

E lendo a letra calma dela no meu caderno, só me resta responder: eu também te amo, Kate. Sempre e sempre.

_

(Estela Seccatto)

Nenhum comentário: