12 de abril de 2018

Não vejo ninguém

Eu escuto passos mas não vejo ninguém
Estão apressados fugindo de alguém
Ou de algo
Algo quente, como a dor
ou frio, como o amor
Qualquer coisa que assuste e faça a rua ficar pra trás
como se empurrasse a cidade com os pés
e carregasse o mundo nos ombros
Como se a avenida não tivesse fim
e não tem
Ela vira a esquina, entra no bairro
pula o muro, invade a casa
e diz oi pra menina
que quer sair descalça
lá pro meio da avenida

Eu escuto o pranto mas não vejo ninguém
Garganta engasgada sofrendo por alguém
Ou por algo
Algo como uma despedida
Ou o medo por estar perdida
Ou a angústia de ser encontrada
ou de ser esquecida
Desespero que não passa
Que pega bem na veia do pescoço e rasga
Que corta fundo no peito e grita no ouvido
PARA DE CHORAR
Fecha o punho e dá no meio da cara
pra aprender a não fraquejar

Eu escuto o pulso mas não vejo ninguém
O coração disparado de alguém
Cansado de tanto correr e chorar
Bomba relógio prestes a estourar
A voz prestes a gritar
As pernas prestes a desmoronar

É a alma que se desprende
estoura as correntes
e se rende

Todo o som, exceto o vento, cessa
Silêncio
O céu sussurra que a manhã começa
E eu escuto passos calmos
Não vejo ninguém
Mas tudo clareou e já não há mais breu
Talvez meus olhos estejam encharcados
e quem está se rastejando seja eu

(Estela Seccatto)

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