12 de abril de 2021

Se o mundo falasse

 Se o mundo pudesse falar, sobre mim ele não diria nada. Que eu ando calma e quieta e assim acabo passando despercebida. Como se eu quase não existisse, se não fosse pelo barulho que eu faço quando esbarro em algum canto. Ele não diria nada sobre mim porque o diálogo acabaria ali, logo quando terminasse de dizer. Que apesar do meu coração acelerado e minha mente ansiosa, minha fala é preguiçosa. Meu olhar já é de sono há uns dias sem pausa. E meu peito tem sido de choro sem causa. O mundo, se pudesse dizer, falaria das árvores, das brisas, das avenidas e dos sons. Falaria do vento e de alguns momentos bons. Nem citaria meu nome, nem deve lembrar de mim. Que eu me guardo nessas paredes desse quarto e nem me atrevo a olhar pra fora. Porque, se eu olho, minha mente pode me levar. E, numa próxima, eu já não sei se vou saber voltar. É por isso que eu não me meto mais com o mundo e ele, se soubesse falar, não falaria de mim. Que dessa forma a gente se abstém de uma conversa vaga que nunca, em 28 anos, se fez necessária. E é de grande elegância que continue assim.


12/04/2021

8 de fevereiro de 2021

2020-2021

Fazia tempo que eu não escrevia aqui porque isso só acontece quando a angústia não cabe em lugar nenhum. Quando não cabe em conversas, nem choros, nem meditações.

Tá doendo a algum tempo essa soma de coisas que viram coisa grande dentro de mim. Viver uma pandemia não seria fácil, alguém já disse isso em algum lugar. Mas junto à ela a vida continua, não é como se ela fosse nos dar descanso só porque estamos vivendo uma pandemia. 

Família.

Minha família parece um campo minado e eu me sinto cada vez mais distante pra não pisar em falso. Tive que ouvir que sou um monstro e que devo poupar minha mãe de ter uma filha como eu. Ouvi isso do filho da minha segunda mãe: minha tia, a mulher que eu entreguei minha vida inteira e todo meu amor. Também tive que ver a filha dela chacotear a sexualidade do meu irmão. Mas é aquela coisa, né? Enquanto gays, já esperamos homofobia dos outros.

Não bastando, a desonestidade veio em forma de dinheiro também. Meu tio tá correndo o risco de perder a casa e o carro, que é o instrumento de trabalho dele. Tudo por conta de desonestidade do meu primo. Daí gente tem que ouvir que devemos amar e perdoar a família. Bla bla bla. 

Trabalho.

Em outro aspecto da minha vida, o motivo desse cuspe nesse blog: meu trabalho. O desânimo, a revolta, a falta de perspectiva. O que fez meu copo transbordar. Quando é que eu vou viver sem ter que me preocupar todos os dias com dinheiro? Quando é que eu vou poder proporcionar algo pros meus pais? As vezes eu sonho com o dia em que eu vou oferecer aos meus pais uma viagem pra Itália. É o sonho da minha mãe. E meu pai, enquanto assiste tv, comenta "será que eu nunca vou ver neve?". Meu pai pega o notebook todos os dias e fica passeando no street view. E quando é que eu vou ter condições pra isso? Porque, no momento, eu sinto que eu nunca tive reconhecimento algum. Será que eu sou tão ruim ou insuficiente assim?

Eu.

Com minha síndrome do ovário policistico eu fiquei bem calva. Minha autoestima tá numa dose bem baixa. Eu tenho vergonha de me olhar no espelho. Que bom que na pandemia eu não vejo ninguém. As vezes é melhor estar sozinha.

Fazia tempo que meu olho não ardia de tanto chorar.

21 de março de 2019

Pedido

Que o universo conspire e permita que a história não se repita. Que eu não tenha que me acomodar em vários sofás desconfortáveis de vários quartos, olhando o pingo escorrer dentro do cano que liga no peito, que leva pra veia e que faz vomitar. Que eu não tenha que correr no corredor pra chamar alguém de branco por estar desesperada e não saber o que fazer. Que você não tenha que dormir mal, nem sentir dor, nem ter medo e nem ficar cansada por tentar viver. Que uma pequena cirurgia e outra pequena cirurgia tire tudo isso de você. E que não volte, que nem pense em voltar, que não vá para o seu sangue e nem comece a se espalhar. Que você se cuide pra que no futuro não tenha que cuidar de algo que é difícil ver curar. E que sejamos fortes caso o universo não me escute e repita o que ficou lá atrás. Que câncer seja só seu signo e nada mais.

Estela Seccatto

26 de janeiro de 2019

Gratidão

A primeira pessoa que eu amei foi a primeira menina que beijei. Ao descobrir que era aquilo que eu gostava, depositei esse "gostar" nela. Ela tinha me introduzido a um mundo novo e meu peito se encheu daquela coisa boa de quando nós DESCOBRIMOS quem somos.


A segunda pessoa que eu amei foi amor adolescente, com borboletas no estômago, coberto de inocência. Aquela coisa de acordar cedo no sábado pra pegar o trem e ficar mais tempo juntas. Aquela coisa de guardar o cheiro do perfume, de dormir abraçada com urso de pelúcia, de dar as mãos na rua. Meu peito se encheu daquela coisa boa de quando nós ASSUMIMOS quem somos.

A terceira pessoa que eu amei foi puro. Não teve toque, não teve contato, mas teve conexão. Ela se fez tão presente que eu não me senti sozinha por um segundo sequer. Foi amor de ligação na madrugada até pegar no sono. Foi amor de inventar assunto pra não ter que desligar. Foi amor de explodir o peito por não ter onde guardar. Foi rascunhar um futuro que nos permitisse ser amor. Ela me deu sede de ser mais. Meu peito se encheu daquela coisa boa de quando nós descobrimos quão grande podemos SONHAR.

A quarta pessoa que eu amei foi cumplicidade. Foi caminhar lado a lado, tomar decisões e olhar na mesma direção. Eu aprendi a encarar a vida como ela é. Ela me ensinou a levantar e andar de cabeça erguida. Apontou verdades pra me fazer crescer e crescemos juntas. Foi fixar os pés no chão, ter nas mãos algo concreto e no peito um sentimento palpável. Foi um dia após o outro. Foi companheirismo. Foi toque, foi corpo no corpo, foi olhar quieto e respiração ofegante. Foi intenso, foi vivido, foi real. Meu peito se encheu daquela coisa boa de quando nós VIVEMOS o amor.

A quinta pessoa que eu amei foi paz. Foi flutuar, relaxar a mente e me desligar. Foi pura confiança. Foi fechar os olhos e deixar levar. Ela me mostrou que não existe tempo ruim nem problemas sem soluções. Foi sorriso matinal, riso fácil e gratidão. Ela foi exemplo de empatia e bondade, foi carinho e caridade, foi o peito que eu descansei. Foi otimismo. Foi simplicidade. Meu peito se encheu daquela coisa boa de quando nós entendemos que o amor deve ser LEVE.

A gente escolhe o que queremos levar de cada experiência vivida. Eu escolhi levar sonho, amor e paz. Poderia fazer um texto sobre as brigas, discussões e términos. Mas isso eu escolhi deixar pra trás.

21 de outubro de 2018

Ser ninguém

Às vezes eu me pego pensando no caminho mais fácil. Eu olho pra mim e não vejo nada. Eu não conquistei nada, eu não tenho nada, eu não sou nada. Tento não me comparar com as pessoas que me cercam e que já estão sendo alguém no mundo (ou que pelo menos sabem quem elas querem ser). Mas a verdade é que eu me comparo constantemente e não tem uma pessoa que eu olhe e que esteja igual a mim: sendo ninguém (jamais desejaria isso pra alguém). Eu tento me erguer, levantar a cabeça e acreditar que as coisas vão dar certo, mas minha mente fica me perguntando "por que você não acaba logo com isso?"
E eu não sei responder.

26 de agosto de 2018

Jangada

Atravessei o pântano
na jangada que você
me ensinou a construir

Desafiei o mundo
sem nunca deixar
a dor me consumir

O seu amor foi tanto
que por toda a vida
me ensinou como seguir
sem você

Ensinou que o pranto
e as despedidas
são essenciais pra se viver
Fortalecer

E hoje, quando eu canto
minhas feridas se curam
em cada canto do meu ser

Você deixou mais que memórias
Mais que histórias
Mais do que eu possa escrever

Você deixou seus sonhos
Suas verdades
Sua sede de viver e aprender

Você marcou minha alma
Carimbou e assinou
Me fez vencer, me fez assim

Você se deixou em mim


(Para minha tia Ligia)

14 de agosto de 2018

Se cala

Sobe
E de lá de cima vê
A vida
Que não mostra a TV
Sofrida
De quem só olha pro chão
Porque não aprendeu a se erguer
Que ninguém acreditou que ia vencer

Olha pro morro
Pro preto
Pro medo
Pro grito
Pro choro
E se cala

Olha o menino
Descalço
Com medo
Correndo
Fugindo
Da bala

Olha a menina
Sofrendo
Vendendo
Por troco
Seu corpo
E me fala

Olhando no meu olho, me fala
Me fala que não vê a senzala

Se faz de morto que não enxerga a morte
Cego por opção
Egoísta de berço, de passo fácil
De luta pequena, que não estende a mão

É direito seu calar essa boca
É mais do que dever se abster
Se tua pele não assina seu óbito no dia de nascer

Estela Seccatto
14 de agosto de 2018